Num artigo publicado hoje no jornal O Estado de São Paulo, o publicitário Roberto Duailibi se queixa de São Paulo ter-se tornado a "capital do grafite". Em sua diatribe indisfarçavelmente antipetista, o empresário se queixa da qualidade duvidosa dos grafites, de seu impacto - a seu ver, negativo - na paisagem da cidade, e acusa o grafite de ser uma forma de expressão "fascista".
Considerando que o próprio Duailibi reconhece não ser um crítico de arte, coisa que também não sou, vou desconsiderar suas opiniões a respeito da estética do grafite. Há pessoas muito mais qualificadas do que eu para falar sobre isso, a começar pelos próprios artistas, que poderiam falar sobre o processo de seleção, sobre suas escolhas artísticas, entre outras coisas. Já que o publicitário demonstra total desinteresse em uma discussão fundamentada, acho improdutivo tentar informá-lo sobre essas coisas. Mas seria bastante saudável que alguém, mais ligado à área atacada por ele, se manifestasse nesses aspectos.
Aliás, em se tratando de pessoas mais qualificadas para um debate sério sobre o grafite, poderíamos trazer para a cidade e ouvir autores internacionais que têm se dedicado ao estudo das chamadas "artes urbanas" (urban arts), das quais o grafite é um exemplo importante. Seria uma ótima oportunidade para ouvir pessoalmente autores como Louis Bou, Lyman Chaffee, Francesca Gavin, Christian Hundertmark, Rod Palmer, Allan Schwartzman, só para citar alguns exemplos.
Posso falar mais sobre a sensação do publicitário de que os grafites "invadiram a cidade". É fato que São Paulo há muito tem seus muros e empenas cegas preenchidas pelas cores do grafite. Talvez o publicitário não desse atenção antes, e porque chamaram-lhe atenção para isso (a histeria em torno dos grafites nos "Arcos do Jânio" em seu círculo social talvez tenha contribuído) agora lhe pareça que há muito mais grafite do que antes. Não: há anos São Paulo é uma cidade fartamente grafitada. Isso me lembra uma ocasião, na adolescência, em que eu e amigos fizemos uma aposta envolvendo o número de fuscas amarelos que encontrássemos (supunha-se que não encontraríamos 50 naquele dia). Bastaram poucos quilômetros andando pela cidade para alcançarmos o número improvável. Tivemos, naquele dia, a nítida impressão de que São Paulo havia sido tomada de fuscas amarelos. Eles sempre estiveram lá, nós é que passamos a prestar atenção.
Assim como grafites, poderíamos dizer que, recentemente, São Paulo foi tomada por pontos de ônibus de gosto duvidoso, completamente disfuncionais (a cobertura, originalmente transparente, teve que ser rapidamente substituída por outra que - incrível - oferecesse sombra aos usuários do transporte público). Não sou crítico de arte, mas o desenho parece não ajudar muito a tornar o ponto mais agradável a quem espera pelos ônibus, assim dizem os usuários. Segundo alguns, ele inclusive torna a área protegida mais quente...
Da mesma forma, as ruas de São Paulo foram "invadidas" por relógios de rua, com indicações de temperatura, eventualmente de qualidade do ar. O desenho é questionável, por que não? Mas eu não sou crítico de arte para julgar.
Mas tanto no caso dos pontos de ônibus quanto dos relógios, eu também não me lembro de ter havido uma consulta à população sobre qual desenho era melhor, onde eles deveriam ser implantados (por que não começar pelos bairros periféricos, que sempre são relegados e recebem os equipamentos de pior qualidade?). Nem por isso vou dizer que pontos de ônibus e relógios de rua sejam "fascistas", mas me surpreende que o publicitário não se preocupe com a estética urbana nesses casos. Talvez porque não use ônibus. Talvez porque tanto um quanto outro tenham espaços generosos para a... publicidade. Aliás, por que nos pontos há tanto espaço para anúncios e sequer uma relação das linhas que os atendem?
O problema todo, ao fim e ao cabo, é que o debate proposto por Duailibi se resume a acusar a prefeitura de prejudicar a paisagem urbana com o grafite. Mas para acreditar que o interesse em questão é mesmo a qualidade visual da cidade, eu teria que esquecer que, na época do prefeito Kassab (para que ninguém diga que estou aqui apenas defendendo a prefeitura petista) um dos segmentos que mais ferozmente se opôs à Lei Cidade Limpa e sua intenção de extinguir os outdoors foi precisamente o da propaganda e publicidade. Ao que parece, o problema não é de fato o que impacte a paisagem urbana, nem a falta de transparência nas decisões a respeito, mas apenas o fato de que isso seja feito sem beneficiá-lo de nenhuma forma.
De resto, São Paulo há muito é uma "capital do grafite", reconhecida internacionalmente. Que o digam artistas como Eduardo Kobra, Alexandre Orion ou Osgemeos. Suas obras são requisitadas em diversas outras cidades do mundo, e o interesse no grafite paulistano já suscitou até o desenvolvimento de roteiros e aplicativos para mapeamento dessas obras de arte. Prefiro conviver com o grafite do que com a publicidade no espaço urbano. Quem quiser comparar, veja as imagens:
Anúncios publicitários ao longo do Minhocão Fonte: PubADdict |
Painel de Eduardo Kobra em homenagem a Oscar Niemeyer, na avenida Paulista Fonte: Uhull |
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