sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Cullenices por São Paulo

Querid@s leitores, por diversos motivos não consegui manter o blog durante os meses de novembro e parte de dezembro. Mas não queria terminar o ano sem ao menos mais uma postagem. Com ela, faço meus votos para um feliza ano de 2014.

Um dos clássicos do urbanismo na segunda metade do século XX, ainda muito lido e discutido nas faculdades, é o livro de Gordon Cullen, Paisagem Urbana. Entre as muitas e instigantes definições dadas por Cullen no livro, talvez a mais importante seja a noção de "visão serial", uma sucessão de perspectivas (visuais) que se obtem ao percorrer um caminho a passo constante. Essa sucessão traz uma série de mudanças de ambientação, com as mudanças correspondentes de estímulos sensoriais (e que não são, como se poderia esperar, apenas visuais): claro/escuro, fechado/aberto, além de outros, talvez mais "eruditos" ou que requeiram um olhar mais treinado.
Mas não há outra maneira de treinar o olhar que não olhar. Observar com calma e atenção, o que não se faz no andar cotidiano que parece apenas conduzir de um ponto a outro, e faz do "meio" uma simples distância a vencer. As surpresas estão ali sempre, mas precisam ser notadas. E para isso é fundamental olhar com calma. Esse é talvez o exercício de urbanismo (e de urbanidade) que talvez mais precisemos fazer nos nossos dias: só assim deixaremos de sentir a cidade como uma ameaça, como feiúra, como artifício (no mau sentido da palavra - e aqui cabe uma lembrança do nome deste blog: artefato, obra de arte, requer alguma artificialidade, então não é a ausência de "natureza" o problema. Prometo retormar o assunto em outra ocasião).
Pois bem, o autor é inglês e ingleses são todos os seus exemplos. Mas, para a surpresa de muitos - não minha -, São Paulo é uma cidade pródiga em percursos que proporcionam perspectivas cambiantes e cenas estimulantes. Eu, que já gostava tanto deste aspecto da cidade, pude confirmá-lo este ano em aulas e discussões com alunos. São Paulo não é uma cidade fácil, nem óbvia. Suas belezas não são evidentes, há que descobri-las, e isso só é possível caminhando por suas ruas. E, neste sentido, o "caos" do Centro de São Paulo se presta maravilhosamente para essas descobertas.
Para comprovar o que estou dizendo, fiz um registro serial de um percurso realizado no centro de São Paulo no dia de hoje (27/12/13), por volta da hora do almoço, desde o viaduto Santa Ifigênia até o Largo São Francisco (clique aqui para ver as fotos). A sequência foi concebida de forma que o observador das fotos encontre sempre (com raras exceções, facilmente identificáveis) uma "âncora" que liga uma foto à seguinte: um edifício, um elemento de vegetação, uma rua, etc.
Para quem quiser, pode seguir as indicações do livro de Cullen, baixando-o a partir do link acima, e tentar identificar as características perceptíveis em cada cena. Ou então, pode apenas tentar identificar suas próprias percepções a cada parada, ou ainda tentar reconhecer lugares que conheça. Enfim, a série, como a cidade, presta-se a múltiplos usos. E, se quiser compartilhar conosco suas impressões ou experiências, fique à vontade! :)
Fico aqui com o que deverá ser, provavelmente, o último post do ano. Prometo me empenhar por mantê-lo ao menos com regularidade no próximo ano (a frequência não sei qual será, mas que ao menos se mantenha razoavelmente constante). Agradeço muito aos que acompanharam estes posts, seus comentários e incentivo. E desejo que 2014 seja repleto de descobertas e andanças pela cidade (seja São Paulo ou qualquer outra onde viva)!

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Paisagens olfativas

Parece haver um interesse cada vez maior de pesquisadores a respeito das relações corpóreas das pessoas com as cidades que habitam.
Um blog muito interessante neste sentido é dedicado às relações entre o olfato e o espaço urbano: "Smell and the City", e é mantido pela pesquisadora Victoria Henshaw, da Universidade de Manchester. Trata-se de uma pesquisa interdisciplinar que envolveu uma série de outros pesquisadores, e lida com uma questão bastante interessante relacionada com a apreensão do espaço urbano, uma dimensão do relacionamento com a cidade que mobiliza um sentido poucas vezes explorado (nosso urbanismo ainda é muito predominantemente baseado nos aspectos visuais da cidade).
É possível avaliar espaços urbanos - e até mesmo projetá-los - tendo como base o cheiro? Que tipo de vínculo se estabelece entre os habitantes da cidade e o ambiente olfativo (que, em inglês, é denominado pela autora como a "smellscape" - algo como a paisagem olfativa)? Parece claro que há uma relação entre a percepção positiva de um espaço e a sensação de que este traz estímulos olfativos agradáveis. Uma das mais recorrentes representações da cidade moderna, quando busca fazer menção à sua insalubridade, é a que se refere ao cheiro da fumaça, da poluição. Por contraste, uma das principais qualidades atribuídas ao espaço rural é o "ar puro", ao "cheiro de mato", etc. Seria possível, então, projetar espaços urbanos que sejam estimulantes ao olfato de uma maneira mais positiva, intensificando os vínculos afetivos das pessoas com esses lugares? É a esta questão que se dedica a autora (também autora do livro Urban Smellscapes: Understanding and Designing City Smell Environments - "Paisagens olfativas urbanas: compreendendo e planejando o cheiro dos ambientes na cidade") e o blog. Com base nessa pesquisa, o blog brasileiro "Sampa Criativa" pesquisou os cheiros e impressões olfativas de alguns moradores paulistanos:


Esta pesquisa remete, de imediato, a um autor um pouco mais conhecido no Brasil, que trata das "paisagens sonoras" (soundscapes), R. Murray Schafer - autor de livros como O ouvido pensante. A questão sonora é um pouco mais reconhecida por nós, arquitetos e urbanistas: o projeto acústico e o conforto sonoro é parte mesmo do currículo nos cursos de Arquitetura. Ainda assim, a relação entre som e qualidade urbana é pouco explorada em outros estudos (percepção e qualidade ambiental, planejamento ou história urbanos), e tem pouquíssimo rebatimento em termos de ordenamento territorial (que restringe a questão sonora a limitações de atividades e horários, e ao controle daquelas sob a forma de fiscalização policialesca, como os "Psiu da vida", assunto que tratei em outro blog), raras vezes sendo incorporados aos planos. Se é assim com o som, supostamente mais consagrado, o que dizer do cheiro? E que outros sentidos ainda sequer consideramos (como o tato ou o paladar)?

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Manifesto de Apoio às Ocupações do Grajaú e de Repúdio à Violência Policial contra os Trabalhadores e Trabalhadoras em Luta por Moradia

Apoiamos e compartilhamos o manifesto abaixo:

A falta de moradias e a precariedade das condições de habitação de grande parte da população pobre de São Paulo sempre foi um problema social grave, e tem piorado nos últimos anos. Por meio da ação de grandes empreiteiras e imobiliárias, respaldadas e incentivadas pelo Estado em âmbito municipal, estadual e federal, regiões que abrigam uma importante parcela da população trabalhadora da cidade passaram a ser objeto de violenta especulação imobiliária. O distrito do Grajaú, que concentra mais de 1 milhão de pessoas, tem sido varrido por uma onda de despejos em massa. Via de regra, às famílias atingidas é oferecida uma indenização pífia ou o auxílio-aluguel, desencadeando um brutal aumento do déficit habitacional, do preço dos aluguéis, bem como do custo de vida na região de uma maneira geral.
Em resposta a esse quadro desesperador, sobretudo nos últimos dois meses dezenas de terrenos abandonados foram ocupados de maneira espontânea pela população pobre do extremo sul de São Paulo. Em muitos casos, em meio a um processo intenso de organização, os ocupantes se engajaram em viabilizar um projeto habitacional nas áreas ocupadas, buscando garantir não apenas a construção de moradias, mas também a preservação ambiental, e a criação de equipamentos públicos e de áreas coletivas.
Diversos esforços foram feitos no sentido de discutir esses projetos com a administração do Prefeito Fernando Haddad, que reiteradamente negou a possibilidade de diálogo. Além disso, por diversas vezes se afirmou publicamente que os ocupantes são oportunistas, que supostamente querem “furar” as irreais “filas de espera” da COHAB e da Secretaria Municipal de Habitação. Além disso, foi dito categoricamente por membros da gestão Haddad que todos os terrenos públicos serão reintegrados, e que inclusive iriam pressionar os proprietários dos terrenos privados a solicitar a reintegração de posse na justiça.
A intransigência e a truculência da atual gestão municipal chegou a um ponto extremo no dia 16 de setembro, quando, sem qualquer aviso prévio e sem ordem judicial, o Prefeito Fernando Haddad e a Subprefeita da Capela do Socorro, Cleide Pandolfi, mobilizaram a Tropa de Choque da Polícia Militar, bem como efetivos da Guarda Civil Metropolitana e da Guarda Ambiental para despejar violentamente os moradores do Jardim da União, que ocupavam um imenso terreno abandonado, de propriedade da Prefeitura de São Paulo. Bombas de gás lacrimogêneo, sprays de pimenta, balas de borracha e cassetetes foram empregados contra crianças, idosos, gestantes, pais e mães de família que já haviam se comprometido a desocupar a área pacificamente. Móveis, geladeiras, fogões e diversos outros pertences dessas famílias foram destruídos e extraviados, celulares e câmeras filmadoras foram roubados, pessoas foram detidas… Uma violência desmedida e inaceitável objetivando dar cabo a uma reivindicação legítima e necessária.
A questão habitacional do Grajaú não será resolvida com repressão policial, e nem com intransigência, desqualificação e medidas paliativas. Reivindicamos a abertura de uma real negociação entre as famílias ocupantes e o Prefeito Fernando Haddad, para que se viabilize a implementação de programas habitacionais nos terrenos ocupados. E repudiamos o emprego de violência contra as famílias em luta, como ocorreu no trágico dia 16 de setembro. Todo Apoio à Ocupação Jardim da União, e às demais ocupações do Grajaú! Abaixo a Repressão contra a população em luta por moradia!
Assinam o Manifesto (em ordem de assinatura):

Paulo Arantes – FFLCH USP
Otília Beatriz Fiori Arantes – FAU-USP
Boaventura de Sousa Santos, Universidade de Coimbra
Maria Rita Kehl. psicanalista, SP
Roberto Leher – UFRJ
Lincoln Secco – USP
Ivana Jinkings, editora, SP
Caio N. de Toledo. – Unicamp
João Bernardo, escritor
Luiz Bernardo Pericás , USP 
Yanina Stasevskas, psicanalista, SP
Clarisse Chiappini Castilhos, economista, Porto Alegre
Lorene Figueiredo, UFF
Elie Ghanem – FEUSP
Rubens Barbosa Camargo – FEUSP
Hamilton Octávio – PUC-SP
Isabel Loureiro – UNESP
Amarílio Ferreira Junior – professor -Ufscar
Marisa Bittar- Ufscar
Marcos Barbosa de Oliveira – FEUSP
Ricardo Antunes/ UNICAMP
Marcus Orione/ FD– USP
Jorge Luiz Souto Maior/ FD/USP
Danilo Martuscelli (UFFS)
Sérgio Salomão Shecaira/ FD/USP
Heloísa Fernandes/ USP
Mauro Luis Iasi/ ESS UFRJ – NEPEM.
Carlos de Almeida Toledo/ Unicamp
Virgínia Fontes – UFF
Concessa Loureiro Vaz/ UFMG
Davisson Cangussu de Souza/ Unifesp-Guarulhos
Ricardo Figueiredo de Castro, historiador/ IH/UFRJ
Fábio Konder Comparato/ Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP
Luciana Zaffalon/ Ouvidora-Geral da Defensoria Pública de São Paulo
Raquel Rolnik/ FAU – USP, Relatora da ONU para o direito à moradia adequada.
João Sette Whitaker Ferreira – FAU-USP (LABHAB)
Angélica Matos Souza/ UNESP
Vladimir Safatle / USP
Carlos Vainer/ IPPUR- UFRJ
Francisco Alambert/ USP
Marília Pinto de Carvalho/ USP
Carmen Sylvia Vidigal Moraes
Priscila Figueiredo/ professora FFLCH-USP
Luciana Henrique da Silva/ UNICAMP
Eneas de Oliveira Matos/Professor da Faculdade de Direito da USP
Marildo Menegat ESS-UFRJ
Beatriz de Moraes Vieira História – UERJ
Celso Frederico / USP
Enid Yatsuda Frederico / Unicamp
Sérgio de Carvalho/ USP
Jorge Grespan/ USP
Laura Gagliardi
Sara Granemann/ ESS/UFRJ – NEPEM
Luiz Carlos Moreira/ autor e diretor teatral
Ana Souto/ dramaturga
Paulo Faria/ diretor teatral
Graça Cremon/ produtora cultural
Kiko Rieser/ diretor e dramaturgo
Luiz Renato Martins / ECA-USP
Alexandre Mate / UNESP (“apoio a luta e protesto, permanentemente”)
Verônica dos Santos Sionti/ Defensora Pública
Patrick Lemos Cacicedo/Defensor Público – Coordenador do Núcleo de Situação Carcerária
Bruno Shimizu/Defensor Público – Coordenador Auxiliar do Núcleo de Situação Carcerária
Luciana Zaffalon/ Ouvidora-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Maria de Fátima Tardin Costa – Arquiteta e Urbanista
Anelise Gutterres /PPG Antropologia Social da UFRGS
Lúcia Rodrigues/jornalista
Simone Polli – UTFPR
Ney Piacentine – integrante do Comitê Gestor do Conselho da Cidade, presidente do Centro ITI (Brasil International Theatre Institute)
Rede de Comunidades do Extremo Sul
USINA - Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado - Assessoria Técnica – SP
Assentamento Milton Santos
Movimento Terra Livre
Associação de Moradores da Favela do Moinho
Movimento Moinho Vivo
Movimento Hip Hop Organizado Mh2o
Coletivo Zagaia
Comboio
Tribunal Popular
Rede 2 de Outubro
Instituto Práxis de Direitos Humanos
Radio Varzea
Cedeca Interlagos
Movimento Mães de Maio
Rede Nacional de Familiares e Vítimas da Violência do Estado
Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência (RJ)
Projeto Raiz – Cursinho Popular
Pela Moradia (RJ)
Kiwi Cia de Teatro
Grupo Cena Livre
Coletivo da Albertina
Cia Estável de Teatro
Engenho Teatral
Coletivo de Galochas
Brava Companhia
Cia Antropofágica
Pessoal do Faroeste
Buraco d’Oráculo
Grupo Teatral Parlendas
Coletivo Voz da Leste
Espaço Sacolão das Artes
Trupe da Lona Preta
Espaço Carlos Marighella
Rede Recusa
Associação dos Geógrafos Brasileiros - São Paulo
Comitê Popular da Copa
Tia Tralha/ grupo de teatro
Coletivo Katu - Educação Popular
Trupe Olho da Rua - Santos
Movimento Cultura Livre
Movimento Arte pela Vida
Enchendo Laje e Soltando Pipa
Ocupação Quilombo das Guerreiras - RJ

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O cidadão contra a cidade ideal


O título deste post parafraseia um capítulo do livro A cidade na História, do sempre fundamental Lewis Mumford, em que o autor examina a ascensão de uma forma de pensamento "utopista" entre filósofos do porte de Platão e Aristóteles. Sem pretender resumir a riqueza deste texto, basta destacar que Mumford mostra que o ápice ateniense como organização política e civil é anterior aos dois maiores filósofos gregos. Aristóteles, por exemplo, chegou a educar o conquistador macedônico Alexandre, que afinal conquista a Hélade e unifica as cidades-Estado que, até então, eram unidades autônomas.
O pensamento idealista de Platão é derivado, de certa forma, de um desencantamento com a experiência "democrática" de Atenas, que condenou à morte seu mestre Sócrates, talvez o filósofo mais estreitamente ligado ao diálogo e ao debate que deveria caracterizar em sua grandeza a experiência política (que, para os gregos, equivalia em grande parte a urbanidade e civilidade - e todas essas palavras trazem, não por coincidência, a "cidade" em sua raiz). O tratado político de Platão, de fato, dedica-se à discussão da noção de justiça. O que é um governo justo, e como o poder pode ser exercido com justiça?
O que Mumford censura em Platão é o caminho que o grego escolhe para responder às limitações daquela democracia: em lugar de mais, menos diálogo. Ao "calor" das discussões de assembleia, em que as decisões da "opinião pública" são influenciadas por oradores habilidosos, e a energia e furor da "massa" são manipuláveis com recursos de retórica, Platão teria respondido com a proposta de uma cidade "ideal" rígida, governada por "sábios". Isso equivaleria a dizer que, no ideal platônico, os governantes se pautariam unicamente pelo bem comum, por um elevado e desapaixonado senso de justiça que lhes permitira sempre decidir pelo melhor. Muitos séculos de experiência nos permitem ver que esse governo magnânimo não se verificou, exceto talvez em casos muito excepcionais. Extremamente comum, entretanto, é o caminho que leva, da crítica à "irracionalidade" da decisão política coletiva, na direção de uma reivindicação de julgamentos desapaixonados e/ou um poder centralizado e forte.
Parece que nos encontramos, atualmente, na mesma encruzilhada. O julgamento do "mensalão" é um caso paradigmático, neste sentido. Não quero entrar no mensalão em si, mas nos caminhos que nossa sociedade demonstra querer trilhar ao clamar por justiça. Um dos caminhos é o que se fia no lema "a voz do povo é a voz de Deus", tomado literalmente. A "voz do povo", evidentemente, é o da "opinião pública", e esta parece se inclinar francamente a favor da punição severa, exemplar e didática, de todos os envolvidos. São louvados os juízes que votam alinhados com a opinião pública, e execrados os que dela discordam, como se essa discordância significasse necessariamente que sejam igualmente corruptos. Entre os defensores dos acusados, a tendência é a mesma, com sinais trocados: os juízes alinhados com a "voz do povo" são tão manipulados quanto aquela, e agem de acordo com interesses escusos (como a mídia que manipula essa voz).
Outro caminho é o que aposta no julgamento "técnico", imune (ou insensível?) ao "clamor popular". Foi a posição de Celso Mello, por exemplo. E um terceiro caminho é o que defende a inutilidade de longos, desgastantes e - aparentemente - inúteis julgamentos. O prolongamento das discussões seria unicamente capaz de resultar em "pizza": ou seja, quanto mais se discute, menos provável a condenação. Portanto, melhor que uma autoridade imbuída de inquestionável (sic) reputação, caráter e senso do interesse público, seja capaz de decidir rapidamente e sem impedimentos. O que esses dois caminhos têm em comum é o desejo de um governo "platônico", que substitua o debate por uma decisão proveniente de uma "sabedoria" superior - seja a tecnicalidade da lei interpretada de forma positiva (e até positivista), seja o clamor popular aceito sem ressalvas.
Mas será a "voz do povo", entendida desta maneira, capaz de produzir justiça? E será que existe qualquer "sábio" capaz de decidir de forma desinteressada? Até onde a experiência histórica permite reconhecer, a resposta para as duas perguntas é "não". A voz do povo condenou Sócrates, e o "sábio" se tornou "Führer"...
Não há saída, pois. Na verdade há sim, mas é a mais trabalhosa: continuar o debate. Possibilitar idas e vindas, mudança de opinião, garantir possibilidade de apelação e reexame. Até que uma decisão seja tomada de forma serena - não insensível, mas tampouco intempestiva. E, quando se mostre impossível alcançar essa serenidade, ao menos demonstre que alcançou o acordo possível. Democracia é difícil, por vezes lenta demais, até frustrante. Mas é um meio de conseguir um tipo especial de justiça: um que não se baseia no desejo de vingança.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

‘Sinfonia’ Paulistana – Retrato de Uma Cidade (1974)


Desde pelo menos o IV Centenário, os compositores que se dedicam a homenagear São Paulo se valem do mais desbragado ufanismo e das imagens do "progresso", do "trabalho", do "acordar cedo" ou "não dorme"... Só que, enquanto quase ninguém mais lembra dos "hinos" de 1954, dificilmente haverá um paulistano que não reconheça o "vambora, vambora, olha a hora, vambora vambora"... Claro, parte disso se deve ao fato de que a música é tema e vinheta de um  programa de rádio matinal tradicionalíssimo na cidade. Quem madruga pra trabalhar ou estudar em algum momento foi confortado, acordado, consolado ou irritado com a emblemática canção-convocação de Billy Blanco.
Mas, é claro, há outra razão para a permanência da música na memória coletiva: a música é muito boa! Podemos discordar completamente de, ou problematizar infinitamente, palavras como:
São Paulo, que não sabe adormecer
Porque durante a noite, paulista vai pensando
Nas coisas que de dia vai fazer
São Paulo, todo frio quando amanhece
Correndo no seu tanto o que fazer
Na reza do paulista, trabalho é Padre-Nosso
É a prece de quem luta e quer vencer

Mas ninguém fica indiferente ao ritmo acelerado e à cadência impressa pela melodia a essas palavras. Poucas articulações foram tão bem sucedidas. A eterna pressa do paulistano-tipo está perfeitamente ilustrada na melodia que acompanha os famosos versos (claro que o leitor conhece a melodia):
A cidade não desperta, apenas acerta a sua posição
Porque tudo se repete, são sete
E às sete explode em multidão

Pois é. Você conhece, você viveu (ou vive) tudo isto. Então aproveite: o sensacional blog "Um que tenha" disponibilizou este disco para download. Se você quer entender um pouco melhor o que São Paulo disse de si mesma no século XX quase todo, tem que ouvir. E se quer fazer uma cidade diferente, tem que ouvir também, porque é com essa imagem que você vai se defrontar em algum momento.

‘Sinfonia’ Paulistana – Retrato de Uma Cidade (1974)
http://www.youtube.com/watch?v=-sJ4O1DbpEc&hd=1

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Camelódromo, manifestódromo e a redução da urbanidade

Ideias caras ao planejamento e desenho urbano mais ortodoxo preconizam a separação de usos e a definição clara de atividades específicas a serem desenvolvidas em determinados espaços das cidades. A concepção implícita a esta forma de organizar o espaço urbano é centrada na ideia de "eficiência": as atividades devem ser realizadas com o máximo de desempenho e o mínimo custo. Uma lógica, como se pode ver, muito coerente com o nosso capitalismo.
Assim, a parcela dominante da população procura, em nome dessa eficiência capitalista, reduzir os "improvisos" e os "distúrbios" que pudessem inibir ou entravar a livre circulação de pessoas, veículos, mercadorias. Em uma palavra: de riquezas. Daí uma definição estrita e intransigente da rua como "sistema viário": um espaço de circulação, não de permanência; de passagem, não de parada... e de carros, não de pessoas (estas se limitem ao espaço das calçadas. Segurança? Não: desimpedimento ao carro). As calçadas e praças, por sua vez, são igualmente restritas à passagem (mesmo que de pedestres), e outras atividades são consideradas inapropriadas, porque "interferem" no uso principal do espaço, novamente fundado em circulação/passagem. Daí se entende porque as gestões passadas da prefeitura de São Paulo (observemos quanto deste comentário poderá se aplicar à gestão atual...) travaram verdadeira batalha para "livrar" os espaços públicos dos usos "incômodos", como os artistas de rua e o comércio ambulante.
Mas as práticas cotidianas de apropriação e uso do espaço urbano parecem se fundamentar em costumes muito mais antigos do que este requisito de eficiência do urbanismo moderno/contemporâneo. Segundo esses costumes, os espaços urbanos são fundamentalmente "multifuncionais" e seus usos intercambiáveis ou mesmo coexistentes (simultâneos). Não é, provavelmente, uma solução de alta "eficiência", pelo menos não sob o ponto de vista da circulação desimpedida. Mas é uma prática do espaço que propicia uma série de outros ganhos não contabilizados: espaços de interação, intercâmbio, informação. E, como Jane Jacobs já observara há mais de 50 anos: espaços frequentados são geralmente espaços mais seguros...


A desordem insuportável da cidade pré-moderna...

Mas o ideal funcionalista e redutor permanece incólume como parte da ideologia de muitos gestores públicos, autoridades políticas, membros da elite econômica, etc. Para estes, a diversidade e multiplicidade das atividades em espaço urbano se confundem com "desordem", devendo ser disciplinadas e domesticadas. Um primeiro caso deste tipo de intervenção ordenadora contemporânea está nos famigerados "camelódromos", denominação jocosa aos espaços destinados a agrupar comerciantes ambulantes (camelôs), retirados de ruas e praças onde - diz-se - sua presença atrapalhava a livre circulação de transeuntes. Desconsideram-se as condições fundamentais para a sobrevivência do comércio ambulante: a proximidade dos fluxos de pessoas e a possibilidade das compras de oportunidade, não planejadas e realizadas apenas porque o passante vê a mercadoria e resolve adquiri-la. O "camelódromo" pressupõe que todos os compradores dos camelôs dirigem-se a eles previamente motivados a comprar algo, sabendo o que é e dirigindo-se decididamente a eles para a aquisição. Margem nenhuma ao improviso e adaptação. (Lamentavelmente, projetos dessa infame categoria de edifícios têm contado com a colaboração de muitos arquitetos e urbanistas, como mostra o projeto abaixo para um "camelódromo em Porto Alegre):

Todo comércio deve se parecer com um "shopping center"?

A situação se complica ainda mais quando, ao ideal "estético" e "moralizante" de uma rua ou praça livre de camelôs, soma-se também a ideia de que outros usos imprevistos e "desconformes" da cidade representam uma ameaça à ordem vigente ou a um "direito" (mesquinhamente definido) de "ir e vir". De carro, é claro.
Estamos nos referindo, claro, aos protestos de rua, frequentes no Brasil nos últimos dois meses, e sua ocupação dos espaços viários para passeatas, com o óbvio impacto sobre o trânsito local. Pouco importa que os protestos sejam por melhores condições de transporte coletivo e por um padrão renovado de mobilidade e acessibilidade nas cidades.
Pois a "solução" que os governantes do Rio de Janeiro trazem como resposta ao suposto conflito entre manifestantes e os motoristas é fazer exatamente o que se pensou a respeito dos camelôs. Retirá-los do espaço dinâmico, fluido e multifuncional da rua para outro - estático, monótono, isolado. Um espaço que, claro, já ganhou o apelido de "manifestódromo"...
Está claro que o objetivo não declarado é silenciar e isolar os protestos, extrair-lhes a capacidade de dialogar com o restante da população e, eventualmente, angariar seu apoio. Mas, para além do objetivo imediato, há que se notar o paradigma persistente, segundo o qual a cidade não deveria servir para mais nada além de ser o espaço de produção e circulação do capital. O que virá depois?
Devemos nos opor a este tipo de solução. Pela possibilidade de inventar o uso do espaço a cada momento, de que ele acomode a criatividade, o improviso, e não apenas a eficiência. E, acima de tudo, que se mantenha aberta a possibilidade de questionar a "ordem" vigente, quando for necessário.
Encerramos com uma imagem satírica: o que teria sido da Revolução Francesa se os manifestantes aceitassem se restringir a um espaço previamente limitado por aqueles contra os quais protestavam?


A distopia da "baderna ordenada"...

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Palestra: "Debaixo do Progréssio: música e urbanização em São Paulo"

Divulgo aqui um evento que será realizado hoje (14 de agosto de 2013) na Unifesp, Campus de Guarulhos.
Vou falar sobre a pesquisa de meu doutorado, envolvendo música e urbanização em São Paulo nos anos 1950 e 1960. As fontes, os métodos, os nomes e... as músicas, claro.
Quem quiser participar da "roda de samba" está convidado!


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Para que serve um abrigo de ônibus mesmo?

Há alguns meses os abrigos em pontos de ônibus de São Paulo têm sido substituídos por um novo modelo.
Neste post muito rápido, quero compartilhar brevemente alguns registros do uso desse novo elemento de mobiliário urbano, e comprovar sua completa inadequação.
A cena: um dia de sol, de começo do ano (verão), numa avenida no distrito da Vila Mariana. Na primeira imagem, as duas usuárias se espremem no canto do abrigo que - vejam que incrível - abriga.


A segunda imagem mostra que a cobertura, cuja função normalmente é definida como a de proteger de intempéries, não protege do sol...

A terceira ironia: enquanto as senhoras ficam em pé junto à única parte sombreada do ponto, a parte que permitiria a espera confortável (sentado) fica exposta ao calor e sol. Um desenho demasiado rígido não possibilita a adequação às condições locais de insolação. E assim fica o ponto meio "abandonado" e meio "abarrotado".

Viu, como se faz: um abrigo inútil, caro e frágil pra (não) usar?

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Programa elementar do escritório de urbanismo unitário

Attila Kotanyi, Raoul Vaneigem, 1961

Publicado no # 6 de Internationale Situationniste. Tradução própria, a partir de Internacional situacionista, vol. I: La realización del arte, Madrid, Literatura Gris, 1999, disponível em http://www.sindominio.net/ash/is0605.htm. Em inglês: http://www.bopsecrets.org/SI/6.unitaryurb.htm

1. A nulidade do Urbanismo e nulidade do espetáculo


O Urbanismo não existe: não é mais que uma “ideologia”, no sentido de Marx. A arquitetura existe realmente, como a Coca-Cola: é uma produção investida de ideologia que satisfaz falsamente a uma falsa necessidade, mas é real. Enquanto que o Urbanismo é, como a ostentação publicitária que rodeia a Coca-Cola, pura ideologia espetacular. O capitalismo moderno, que organiza a redução de toda vida social ao espetáculo, é incapaz de oferecer outro espetáculo que o de nossa alienação. Seu sonho urbanístico é seu mestre de obras.

2.       O Planejamento Urbano como condicionamento e falsa participação

O desenvolvimento do meio urbano é a educação capitalista do espaço. Representa a eleição de certa materialização do possível, excluindo as demais. Como a estética, cujo movimento de decomposição vem a continuar, pode considerar-se como um ramo bastante descuidado da criminologia. No entanto, o que caracteriza o “urbanismo” no que diz respeito ao seu plano simplesmente arquitetônico é que exige o consentimento da população, a integração individual na implantação desta produção burocrática de condicionamento.
Tudo isto se impõe mediante a chantagem da utilidade. Se oculta que toda a importância desta utilidade está a serviço da reedificação. O capitalismo moderno faz com que renunciemos a toda crítica com o simples argumento de que “falta um teto”, o mesmo que faz a televisão com o pretexto de que a informação e a diversão são necessárias, levando-nos a negligenciar a evidência de que essa informação, essa diversão, este hábitat não foram feitas para as pessoas, e sim apesar delas, contra elas.
Todo planejamento urbano se compreende unicamente como campo de publicidade-propaganda de uma sociedade, isto é: como organização da participação em algo do qual é impossível participar.

3.      A circulação, estado supremo do planejamento urbano

A circulação é a organização do isolamento. Por isso constitui o problema dominante das cidades modernas. É o contrário do encontro, a absorção das energias disponíveis para o encontro ou para qualquer tipo de participação. A participação que foi tornada impossível se compensa no espetáculo. O espetáculo se manifesta no habitat e no deslocamento (standard de alojamento e veículos pessoais). Porque de fato não se habita em um bairro de uma cidade, mas no poder. Se habita em alguma parte da hierarquia. No topo desta hierarquia, as faixas podem ser medidas pelo grau de circulação. O poder se materializa na obrigação de estar presente cotidianamente em lugares cada vez mais numerosos (almoços de negócios) e cada vez mais afastados uns dos outros. Pode-se caracterizar o alto dirigente como um homem que chega a se encontrar em três capitais diferentes em um mesmo dia.

4.       O distanciamento ante o espetáculo urbano

A totalidade do espetáculo que tende a integrar à população se manifesta tanto no ordenamento das cidades como na rede permanente de informação. É um marco sólido para proteger as condições de vida existentes. Nosso primeiro trabalho consiste em dar às pessoas a possibilidade de que deixem de identificar-se com o entorno e os modelos de conduta, o que resulta inseparável da possibilidade de se reconhecer livremente em algumas primeiras zonas delimitadas para a atividade humana. A gente estará obrigada, no entanto, durante muito tempo a aceitar o período reificado das cidades. Mas a atitude com que o aceitarão pode mudar imediatamente. Há que fomentar a desconfiança em relação aos jardins de infância ventilados e coloridos que constituem, tanto no Leste como no Oeste, as novas cidades dormitório. Só o despertar colocará a questão de uma construção consciente do meio urbano.

5.     Uma liberdade indivisível

O principal sucesso da atual planificação das cidades é fazer esquecer a possibilidade do que chamamos urbanismo unitário, isto é, da crítica vivente, alimentada pelas tensões da vida cotidiana, desta manipulação das cidades e de seus habitantes. Crítica vivente quer dizer estabelecimento das bases para uma vida experimental: reunião de criadores de sua própria vida em terrenos equipados para seus fins. Estas bases não poderiam estar reservadas ao “ócio” separado da sociedade. Nenhuma zona espaço-temporal é completamente separável. De fato, sempre ocorre uma pressão da sociedade global sobre as atuais “cotas” de férias. A pressão se exercerá no sentido inverso nas bases situacionistas, que funcionarão como cabeças de ponte para uma invasão de toda a vida cotidiana. O urbanismo unitário é o contrário da atividade especializada, e reconhecer um campo urbanístico separado é reconhecer já toda a mentira urbanística e a mentira de toda a vida.
O que o urbanismo promete é a felicidade. O urbanismo será julgado, portanto, em função desta promessa. A coordenação dos meios artísticos e científicos de denúncia deve levar a uma denúncia completa do condicionamento existente.

6.      O desembarque

Todo o espaço está ocupado pelo inimigo, que domesticou para seu próprio uso até suas regras elementares (incluindo a geometria). O autêntico urbanismo aparecerá quando se criem em algumas zonas o vazio desta ocupação. O que nós chamamos construção começa ali. Pode-se compreender com a ajuda do conceito de "buraco positivo" forjado pela física moderna. Materializar a liberdade é em primeiro lugar subtrair a um planeta domesticado algumas parcelas de sua superfície.

7.       A luz do desvio

O exercício elementar da teoria do urbanismo unitário será a transcrição de toda a mentira teórica do urbanismo, desviada com fines de desalienação: temos que nos defender constantemente da epopeia dos bardos do condicionamento, inverter seus ritmos.

8.      Condições de diálogo

O prático é o funcional. Unicamente a resolução de nosso problema fundamental é prática: a realização de nós mesmos (nosso desligamento do sistema de isolamento). O útil e o utilitário é isto. Nada mais. O resto não representa mais que derivações mínimas do prático, sua mistificação.

9.       Matéria prima e transformação

A destruição situacionista do condicionamento atual é ao mesmo tempo a construção de situações. É a liberação das energias inesgotáveis contidas na vida cotidiana petrificada. O atual planejamento das cidades, que se apresenta como una geologia da mentira, dará lugar com o urbanismo unitário a uma técnica de defesa das condições sempre ameaçadas da liberdade quando os indivíduos, que não existem ainda como tais, construírem livremente sua própria história.

10.   Fim da pré-história do condicionamento


Não sustentamos que se deva retornar a nenhuma fase anterior ao condicionamento, mas ir mais além. Inventamos a arquitetura e o urbanismo que não se podem realizar sem a revolução da vida cotidiana, isto é, sem a apropriação do condicionamento por todos os homens, seu enriquecimento indefinido, sua realização.

domingo, 16 de junho de 2013

Dez pontos sobre manifestações, direitos e democracia nas cidades brasileiras

  1. As manifestações contra o aumento de passagens, que nesta semana ocorreram em São Paulo e diversas outras cidades brasileiras, assim como protestos anteriores contra as remoções forçadas para obras da Copa do Mundo e/ou das Olimpíadas, ou ainda as numerosas "marchas" promovidas pelos mais diversos grupos e movimentos sociais (feministas, religiosos ou não religiosos, defensores da descriminação da maconha, professores, etc.) devem ser vistos como partes de um mesmo e grande processo. Não se trata de eventos isolados, mas de expressões multifacetadas de um sentimento coletivo que precisa ser compreendido.
  2. Muitos sociólogos analisam a formação sociopolítica brasileira sob a perspectiva do que se chama "modernização conservadora": certos aspectos da realidade são "modernizados" (produção e consumo, técnica e tecnologia, ciência, etc), enquanto outras mudanças mais profundas para uma "modernização" em sentido amplo, especialmente no que diz respeito à ampliação de direitos e redução de desigualdades sociais são preteridas em favor da manutenção do status quo. Ou seja, uma modernização que não permite rever ou aprimorar a democracia real e a modificação de estruturas socioeconômicas, políticas e culturais que, historicamente, legitimaram opressão, exploração e segregação da maior parte da população.
  3. Qualquer tentativa de ampliar ou universalizar direitos foi sempre seguida de uma reação violenta (simbólica ou concretamente: discursos inflamados ou repressão de fato) da parte daqueles que desejam manter as coisas como estão. No entanto, na última década, uma grande parcela da população adquiriu certos direitos antes negados (uma inclusão por via econômica - renda e poder de consumo) e, mais importante, a consciência de possuir direitos. E de poder exercê-los, e de poder ainda almejar direitos.
  4. No projeto de uma nova "etapa" de modernização conservadora, o direito por meio do consumo seria suficiente: reiterando a lógica liberal, cada um por si e as relações sociais mediadas pelo mercado, cada vez mais poderoso, cartelizado e inflexível. Entretanto, o roteiro foi subvertido, e os "consumidores" se perceberam, também, "cidadãos". E passaram a reivindicar, reclamar, questionar.
  5. O lugar por excelência do exercício da cidadania, já nos ensinavam os gregos, é a cidade, o espaço público, o lugar de encontro e de aglomeração. E esses novos cidadãos perceberam isso rapidamente. Na verdade, suspeito, o "povo" sempre soube que a cidade é o seu lugar. A cidade como lugar de vivência, de troca, da experiência compartilhada. Das rodas de capoeira às procissões religiosas, das festas às passeatas, só quem não entendia a cidade como "o lugar" da vida coletiva eram, sempre, aqueles para quem a cidade era um "bem", um "patrimônio" (no sentido econômico-jurídico do termo: posse), uma mercadoria.
  6. Fazendo da cidade seu lugar, a população se reapropriou dela e reinventou os espaços públicos, e reinventou também os termos do debate político. "Mais amor, por favor", pediam cartazes de lambe-lambe colados pela cidade. Pichações e grafites problematizavam as questões urbanas: "Ver a cidade", "Você não está preso no trânsito, você é o trânsito", "você praça eu acho graça, você prédio eu acho tédio", são apenas alguns exemplos. De forma dispersa, aparentemente desarticulada, fora dos padrões formais e dos códigos técnicos e especializados da elite e da burocracia, a população manifestava sua própria visão e seus anseios acerca de uma cidade desejável. Mesmo fora dos canais "oficiais", a população mostrava que tinha o que dizer, e queria fazer-se ouvir.
  7. A irrupção dos protestos, manifestações, passeatas, portanto, não são nada mais do que a extensão desse desejo de opinar, interferir... participar. Fazer do exercício democrático muito mais do que apenas cumprir a obrigação do voto (aliás, muitos dos que se manifestam defendem, inclusive, o voto não obrigatório. É uma discussão à parte, mas vale perceber que a demanda não se alinha necessariamente a um possível desinteresse ou alheamento da política). Se a democracia pressupõe a participação dos cidadãos nas decisões que interferem na vida do coletivo (democracia grega), e se entendemos hoje que cidadãos são todos, e não apenas a sua elite (modelo iluminista/moderno), o desafio que esses movimentos colocam é o de buscar modelos de democracia que não se limitem à democracia representativa e de eleições periódicas (modelo liberal/burguês).
  8. Incapaz de lidar ou mesmo de compreender essas demandas emergentes, a elite política adota um padrão já clássico de lida com movimentos populares: 1) ignorar; 2) deslegitimar e desqualificar; 3) reprimir; 4) acolher seletivamente. Vimos este processo, didaticamente, ao longo da semana. Basta rever os noticiários. Veremos a continuidade disso à medida que as manifestações prosseguirem. Quando elas se tornaram grandes o bastante para que não pudessem ser ignoradas, imediatamente se alegou a "violência" e o "vandalismo" para justificar o passo 3.
  9. É desnecessário falar qualquer coisa sobre o tal vandalismo. Mas é bobagem achar que qualquer defesa do direito à manifestação implique automaticamente defender a depredação. Isso não passa de uma armadilha retórica que tem por único objetivo justificar uma repressão brutal, descabida e completamente incompatível com um regime democrático. Se os excessos cometidos pelas forças do Estado serão tratados como exceções e casos isolados, não pode ser outra a atitude em relação a qualquer "vandalismo". Fora isso, nenhuma manifestação social pode ser reprimida, seja qual for seu conteúdo. E a apropriação coletiva do espaço público é legítima: a rua não é apenas o suporte do tráfego, mas de qualquer deslocamento. O carro usufrui da rua, ele não é dono dela. Os espaços da cidade não são monofuncionais, e as múltiplas possibilidades de apropriação do espaço urbano não podem ser restringidas para favorecer uma única função. A rua é para o trânsito como é para a passeata, a procissão, o desfile de carnaval, o cortejo fúnebre. A praça é para o descanso, o encontro, a conversa, o comércio, a batucada. Há muito os urbanistas abandonaram a ideologia da especialização dos espaços urbanos e da separação de funções. A população, por sua vez, nunca a aceitou.
  10. Os dirigentes, enquanto ocupantes temporários de um cargo para o qual foram designados pela vontade popular, têm a obrigação de dialogar e buscar compreender e acolher as demandas que a "rua" lhes apresenta. É obrigação do Estado compreender a linguagem "desarticulada", não o contrário: não é obrigação do povo dominar os códigos formais e a linguagem técnica. Portanto, qualquer justificativa "técnica" (como "o aumento foi inferior à inflação acumulada") visa apenas esvaziar o debate, excluir do direito à opinião todos os que não puderem ingressar na argumentação pretensamente especializada (sabemos que números são manipuláveis: de qua inflação se está falando?), por isso pode ser considerada antidemocrática. Queremos democracia plena, e isso significa encontrar (ou criar, se for preciso) formas de garantir que as variadas opiniões e desejos de cidade sejam ouvidos, discutidos, avaliados. Menos do que isso é autoritarismo.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Arquitetura e música: uma relação esquecida?

Numa frase famosa, atribuída ora a Schopenhauer, ora a Goethe, diz-se que "arquitetura é música petrificada" (até onde pude verificar, Goethe fala de "música congelada"). De outro lado, o guitarrista Robert Fripp declarou que "música é a arquitetura do silêncio". As frases retomam ou dão seguimento a uma noção de arquitetura que remonta à Antiguidade, pelo menos, mas é curioso que na atualidade ela pareça uma metáfora criativa e instigante, mas pouca coisa além disso. Em que ponto a proximidade entre música e arquitetura teria sido esquecida - ou, no mínimo, obscurecida? Esse post tem a intenção de abrir a discussão, sem pretender um exame aprofundado ou extensivo do tema.
Para começar o exame, vale observar uma passagem do Tratado de Arquitetura de Vitrúvio. Logo no início do tratado (Livro I, Capítulo 1), quando discute os conhecimentos necessários ao arquiteto, Vitrúvio afirma: "Igualmente convém que saiba música para dominar as suas leis harmônicas e matemáticas e, além disso, possa corretamente efetuar os cálculos de direcionamento das balistas, catapultas e escorpiões."
A chave que aproxima arquitetura e música nesta definição é, portanto, a matemática - mais precisamente, a geometria. Talvez remetendo à escola pitagórica de pensamento, a definição vitruviana se apoia na noção de harmonia como uma proporção agradável entre partes. Como se sabe, Pitágoras teria descoberto a "série harmônica" musical a partir da divisão de uma corda em proporções regulares: a partir da extensão total da corda, presa às duas extremidades e tangida, obtém-se a nota fundamental, mais grave; prendendo-se a corda em sua terça parte e à quinta parte, obtêm-se os sons harmônicos fundamentais - a "terça" e "quinta" e, prendendo-se a corda na sua metade, obtém-se a mesma nota da fundamental, porém mais aguda - a "oitava". Esses intervalos fundamentais produziriam sons que, se tocados juntos, resultariam em sons agradáveis - "harmônicos". Outros intervalos, mais irregulares, produziriam sons desagradáveis, desarmônicos. Ou, na linguagem musical atual, diferenciam-se então os intervalos consonantes e dissonantes. A figura abaixo ilustra algumas dessas relações:


José Miguel Wisnik explica desta forma a "sequência harmônica" musical:
O primeiro harmônicode uma fundamental é a "mesma nota" repetida uma oitava acima [...] e resulta do dobro do número de vibrações do som fundamental (que se obtém, numa corda, com sua divisão ao meio, ou com a duplicação do seu grau de tensão por esticamento). [...] O segundo harmônico é a nota sol, que compõe o intervalo de quinta (nota que está, no teclado do piano, cinco notas acima do som anterior, o dó), e resulta de uma multiplicação frequencial da ordem de 3/2 em relação ao som anterior, ou da divisão da corda em uma porção correspondente a 2/3 dela. O terceiro harmônico, que consiste na volta da nota , faz com o sol (segundo harmônico) um intervalo de quarta, resultando de uma multiplicação de 4/3 da frequência do som anterior (ou de uma divisão de 3/4 da corda). Os dois harmônicos seguintes, o mi e o sol [...], introduzem os intervalos de terça maior e terça menor e resultam, dentro da mesma progressão, das relações numéricas de 4/5 e 5/6, respectivamente. (WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. Uma outra história das músicas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 60)
Wisnik observa ainda que a descoberta dessas proporções teve larga influência na metafísica ocidental, fornecendo a analogia entre a sensação de som e sua numerologia implícita possibilitou formular a ideia de um universo constituído de escalas de correspondências (idem, p. 62). Algumas das relações descobertas por Pitágoras se tornaram canônicas nas composições arquitetônicas: as relações de "quarta", "quinta" e "oitava" eram denominadas, pelos gregos, de diatesaron, diapente e disdiapason (ou diapason, quando se tratava do uníssono). Essas proporções definiram algumas das relações espaciais canônicas da arquitetura clássica. Assim como na música, as variações a partir da série harmônica definiram os "modos" musicais, a composição arquitetônica se baseou num conjunto de relações numéricas (proporcionais) entre suas dimensões (altura, largura e profundidade), ou ainda entre seus elementos, especialmente as colunas. Assim, para ficar em apenas um exemplo, relações fixas foram definidas entre "cheios" e "vazios" na disposições das colunas dos templos, definindo "intercolúnios" constantes:

 Por séculos, a composição erudita de arquitetura dialogou com princípios de "harmonia" (proporção) e "ritmo" (alternância entre elementos ou entre "cheios" e "vazios") que mantinham próxima a relação com a música:


Ficheiro:Beverley minster 016.JPG


Durante a Idade Moderna, o desenvolvimento do sistema tonal em música proporcionou a exploração de intervalos musicais diversos, de harmonias mais complexas, com a progressiva incorporação de "dissonâncias" que antes seriam consideradas desarmônicas e, portanto, incorretas. No limite, a música do final do século XIX e, sobretudo, as vanguardas do início do século XX colocam em xeque a associação entre a arte e o "belo". Em música, essa disposição se traduz na adoção de procedimentos de composição cada vez mais distantes do tonalismo - até sua total negação ou dissolução atonal ou dodecafônica; em arquitetura, em paralelo, a desvinculação da "fachada" e dos cânones do "academicismo" e dos "historicismos" permitiram o surgimento de uma arquitetura descompromissada com a simetria e as relações proporcionais rígidas (o que permitiu, por exemplo, o desenvolvimento do arranha-céus norteamericano). Em lugar das regras estritas de composição "harmônica", o livre jogo de peças (módulos). A respeito, observa Pedro Sales:
Na música [...] a combinação dos parâmetros de altura, duração, intensidade e timbre desenha linhas verticais (harmonia), horizontais (melodia) e espaço-temporais (ritmo), que se entrecruzam, configurando hierarquias (sistema tonal, modo maior, modo menor) ou séries (atonalidade, dissonâncias), e formas (sonata, cantata, ópera, fuga). [...] Charles Rosen, pianista e historiador da música, em sua biografia sobre Schoenberg, afirma que [...] a música, com Schoenberg, Webern e Berg começa, a ser escrita “nota por nota”. Da mesma forma como o vocabulário e a gramática propostas por Corbusier, por Wright ou pela cidade soviética (ênfase na ruptura, aceitação da fragmentação do real e a impossibilidade de reconstrução da unidade da experiência) buscaram expressar as mudanças da sociedade e do território. No entanto, à diferença do que ocorreria na arquitetura e no urbanismo (cujas diversas linhas de pensamento enfatizariam, a cada momento, os parâmetros de estrutura, de forma ou de paisagem, de modo excludente e irredutível), o desenvolvimento subseqüente da música contemporânea implicaria unificar e universalizar o princípio teórico da série dos doze sons, até então focado apenas nas alturas, para todos os componentes do fenômeno sonoro: além da altura, a duração, a intensidade e o timbre, entrelaçados e coesos, com toda a complexidade e dificuldade que isso comporta, precisamente pela relação que essas características exercem umas sobre as outras. (SALES, Pedro Manuel Rivaben de. Cidade, urbanismo: linhas de devir. Arquitextos, São Paulo, 07.082, Vitruvius, mar 2007 .)
A esta altura, muito em função de uma herança das Belas Artes, a história da arquitetura já havia-se afastado da história da música, fazendo parecer abstrata e de difícil apreensão a similitude entre movimentos que guardam notáveis proximidades. O músico Arrigo Barnabé ainda é capaz de estabelecer essa relação:
Por que [...] não percebemos que o sentido de civilização existente na criação musical é um reflexo mais espiritualizado da capacidade humana de se organizar e viver em cidades? [...] Sem falarmos das possíveis correspondências entre o modulor de Le Corbusier e a série dodecafônica de Schoenberg. E como não pensarmos em música quando lemos em Giulio Carlo Argan (História da arte como história da cidade): “... A cidade ideal, mais do que um modelo propriamente dito, é um módulo para o qual sempre é possível encontrar múltiplos ou submúltiplos que modifiquem a sua medida mas não a sua substância...” (BARNABÉ, Arrigo. Música e cidade. Revista D’Art 10. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, Novembro de 2002, pp. 47-48.)
Como experiência, e a título de exemplo, não seria possível relacionar, então, a apreensão de uma arquitetura como a de Daniel Liebeskind, suas assimetrias e angulosidades - desconfortáveis, intrigantes, "feias" (porque não têm o "belo" como parâmetro ou objetivo) e estranhas, com uma música como a de Arrigo?




Para outras explorações desta relação, ficam aqui, por fim, algumas indicações interessantes:


quarta-feira, 8 de maio de 2013

Vamos monitorar o Plano de Metas da prefeitura?

Numa iniciativa admirável e promissora, o blog Prestando Contas se propôs a monitorar o Programa de Metas da Prefeitura de São Paulo. O Programa consiste de um total de 100 metas, associadas a 21 objetivos e organizadas em três eixos temáticos. Cada eixo apresenta um conjunto de objetivos estratégicos, que apontam aspectos importantes para melhoria da vida na cidade, e são os seguintes:
  1. Compromisso com os direitos sociais e civis;
  2. Desenvolvimento econômico sustentável para a redução das desigualdades;
  3. Gestão descentralizada, participativa e transparente.
Os objetivos são também associados às chamadas articulações territoriais - cinco ao todo: 
  1. Resgate da cidadania nos territórios mais vulneráveis
  2. Estruturação do Arco do Futuro
  3. Fortalecimento das centralidades locais e das redes de equipamentos públicos
  4. Requalificação da área central da cidade; e 
  5. Reordenação da fronteira ambiental.
Um modelo genérico da relação entre os eixos temáticos e as articulações territoriais pode ser entendido como a matriz abaixo:
 
  Compromisso com os direitos sociais e civis Desenvolvimento econômico sustentável para a redução das desigualdades Gestão descentralizada, participativa e transparente
Resgate da cidadania nos territórios mais vulneráveis      
Estruturação do Arco do Futuro      
Fortalecimento das centralidades locais e das redes de equipamentos públicos   (Objetivos e metas)  
Requalificação da área central da cidade      
Reordenação da fronteira ambiental      
 
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, o Programa de Metas 2013-2016 "pode ser entendido como a consolidação do programa de governo", que tem como “fio condutor” o "reordamento territorial e a redução das desigualdades". As metas consistem em "produtos concretos que a Prefeitura pretende entregar à população ao longo dos próximos quatro anos de gestão". Neste link, é possível acessar o documento oficial da prefeitura com a descrição detalhada do Programa e de cada uma de suas metas. Durante o mês de abril, foi realizado um ciclo de audiências públicas para debate deste programa, em cada uma das subprefeituras e posteriormente algumas audiências temáticas. Até o dia 15/05 é possível a manifestação de qualquer cidadão, com o envio de sugestões, críticas ou outras contribuições, para a consolidação final do Programa.
Com isso, a Prefeitura tem demonstrado uma louvável disposição para realizar um processo de planejamento e gestão urbanos efetivamente participativo. Porém, por melhores que sejam as intenções, por mais ricas que sejam as sugestões acrescidas ao Programa original, e por mais detalhadas e claras que sejam as metas estipuladas, o processo só se completa com o monitoramento cuidadoso e atento. Essa é a parte que cabe à sociedade civil em primeiro lugar. E é neste sentido que o Prestando Contas teve a iniciativa de estabelecer um processo de acompanhamento. O que é mais interessante é que, de outra maneira, esse também se pretende um processo participativo e colaborativo: daí a ideia do "adote uma meta", através da qual cada pessoa, de forma voluntária, se propõe a acompanhar a realização de cada uma das 100 metas. O blog dispõe de um canal para veiculação de comentários, postagem de notícias e, quando cabível, até mesmo o mapeamento das metas. Vale a pena conferir.
Eu mesmo me dispus a monitorar uma das metas: a revisão do Plano Diretor Estratégico. Assim, nos próximos meses vocês poderão ver, aqui e lá, o acompanhamento das discussões, proposições e elaboração do Plano, até sua votação e promulgação - que, espera-se, deva se estender durante todo este ano. Fica então o convite, a quem se interessar, para que acompanhe e relate o desenrolar de cada uma das metas propostas para São Paulo. Nossa cidade agradece!

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Vou sambar noutro lugar... de novo?

Raquel Rolnik publicou um post recentemente em seu blog discutindo a polêmica proposta de um projeto do metrô levar à desapropriação da quadra da escola de samba Vai Vai (veja aqui). Aproveito a deixa para republicar aqui um texto meu de dois anos atrás, do blog "Mas e essa gente aí, hein?" e que trata do mesmo assunto. Felizmente, a questão está finalmente ganhando a importância que merece (aparentemente).

Um dos maiores sambistas de São Paulo, Geraldo Filme, escreveu um samba em 1969 intitulado Vou sambar noutro lugar, relatando a construção do viaduto Pacaembu e como a obra praticamente apagou um dos lugares mais importantes da história do samba de São Paulo, o Largo da Banana:
Fiquei sem o terreiro da escola / Já não posso mais sambar. / Sambista sem o Largo da Banana / A Barra Funda vai parar. / Surgiu um viaduto, é progresso / Eu não posso protestar / Adeus, berço do samba / Eu vou-me embora, vou sambar noutro lugar.Traducional ponto de encontro dos negros, que trabalhavam no carregamento dos trens que chegavam à Barra Funda, o Largo da Banana se tornou um ponto de encontro de sambistas e praticantes da “tiririca”, ou pernada, a versão paulista da capoeira. Muitos dos principais nomes ligados à origem das mais tradicionais escolas de samba da cidade eram vistos frequentemente nas rodas do Largo.
Com a construção do viaduto, apagou-se não apenas um local da cidade, como tantos outros. O que se perdeu foi um lugar de referência fundamental da cultura popular da cidade. Se a noção de patrimônio cultural imaterial já existisse então, este seria um lugar perfeitamente enquadrável no que a UNESCO denomina paisagens culturais (ou lugares culturais), associados que são às “práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural".
Geraldo Filme identificou as forças que operavam a desmobilização do lugar dos sambistas: uma lógica que regia o crescimento (“progresso”), no qual a circulação automotiva era um imperativo inquestionável; e uma concepção de cidade em que a cultura popular (principalmente de negros) não tem lugar a não ser muito secundariamente, e apenas quando não interfere na “marcha do progresso” (que, sabemos bem, não é e nunca pretendeu ser inclusiva). Ainda mais num clima político extremamente autoritário, a elite dirigente não se dispôs a nenhuma transigência em relação ao patrimônio cultural da cidade, rasgando e destruindo seus lugares simbolicamente mais importantes. E Geraldo Filme sabia, como sambista acostumado a ser perseguido pela polícia apenas pelo simples fato de fazer samba, que “não podia protestar”.
Mas era um regime ditatorial, e hoje em dia a situação é diferente, certo? Não é bem assim. Mais uma vez, um lugar de samba tradicional e de referência da cidade pode dar lugar a um projeto de transporte. Estou me referindo ao metrô e o projeto da linha 6 (Lilás) e a ligação entre Brasilândia e São Joaquim, que terá estação na praça 14 Bis. Até agora, o projeto (que pode mudar, e espero que o seja) prevê a desapropriação justamente da quadra da escola de samba Vai Vai para concretização do projeto.
Não é demais perguntar: por que a Vai Vai? O que há de tão mais importante naquele pedaço que tenha que ser mantido, enquanto uma das mais antigas agremiações de samba da cidade pode perder sua quadra?
A desconfiança de que o caso do Largo da Banana esteja ameaçado de se repetir não é injustificada. Já faz algum tempo que as atividades da escola no Bexiga são motivo de tensões e conflitos com moradores (que, evidentemente, chegaram ali muito depois da escola e não têm nenhum vínculo com ela ou com a história do bairro). O samba virou, mais uma vez, o vilão da “paz” e da “segurança” no bairro.
Agora, tem-se um motivo quase incontestável para tirar a escola dali: em nome do “bem comum”, do interesse de “todos”, a escola deverá dar lugar ao metrô. E quem poderia se opor à expansão do metrô, ainda mais em tempos em que vemos, cada vez mais, a inviabilidade de se insistir no transporte automotivo na cidade. Da mesma forma como dificilmente alguém nos anos 1960 se oporia a que a cidade crescesse e expandisse sua rede viária.
Mas a questão não é ser “contra” ou “a favor” do metrô em si, mas à prática tão recorrente de apagamento sistemático da memória da cidade, especialmente dos lugares de significado relevante para nossas manifestações culturais populares. Ou, em linguagem ainda mais clara: os lugares de referência afetiva da população negra da cidade, ou das classes populares que fizeram da prática do samba um permanente exercício de resistência. Acredito, como arquiteto urbanista e como morador da cidade, que não há nenhuma – repito: NENHUMA – justificativa para que a estação e a quadra não convivam e sejam compatibilizadas.
Que ao menos uma vez a lógica funcionalista não seja tão insensível à cultura popular, ao lazer, a uma noção de cidade que não seja tão estritamente regida pela lógica econômica e "macro”, e leve em conta também a cidade dos usuários comuns e cotidianos dos lugares – aquilo que os mapas não conseguem mostrar. E se essa lógica tiver que prevalecer, que não seja se valendo de uma suposta impotência da população. A gente pode protestar.

"Nós só queremos regras", dizem. Poderiam seguir as que já existem...

Recentemente, ouvi de uma colega um relato de que, em uma das reuniões que estão acontecendo para revisão do Plano Diretor de São Paulo, houve um intenso debate em torno da questão da proteção dos entornos de imóveis tombados, e do conceito de "paisagem cultural". Ou seja, tratou-se da proteção ao patrimônio arquitetônico inserido em seu contexto urbano, em sua ambiência.
Embora tardio, o debate é oportuno: num momento de aquecimento do mercado imobiliário, incorporadoras e empreiteiras investem cada vez mais intensamente na aquisição de lotes para remembramento, levando à rápida desaparição de casas em sequência, descaracterizando áreas residenciais quase que da noite para o dia. A velocidade dessa descaracterização é tamanha que já motivou reações, como o site e blog "São Paulo Antiga", denunciando as demolições desenfreadas. Aqui mesmo, neste blog, já postei um testemunho relatando essas transformações e o efeito resultante. Quando até mesmo um bairro de visibilidade para os formadores de opinião, como Pinheiros, também é vitimado pela sanha demolidora, mobilizações e protestos começam a acontecer e a incomodar a aparente "passividade" (com todas as aspas possíveis) com que a população lida com o processo.
Depois de tanta destruição, e da repercussão negativa gerada, o setor imobiliário parece ter começado a olhar para a questão e, aparentemente, a participar da discussão. E eis que, nesta audiência que a colega testemunhou, um representante do setor se manifestou nos seguintes termos (não se trata de uma transcrição ipsis literis, até mesmo porque eu não a testemunhei): "é preciso desmistificar a ideia de que o setor imobiliário só destrói e não se importa com a cidade. Nós só queremos regras claras para seguir". Gostaria muito de poder dizer que acredito na declaração, mas uma prática muito comum no setor desmente-a por completo.
Por um lado, é preciso reconhecer que o interesse em se colocar na discussão é  positivo, e mais honesto do que simplesmente ignorá-la e agir à revelia dos anseios coletivos, como vinha acontecendo com tanta frequência. Além disso, a declaração obriga a reconhecer que o que denominamos, genericamente, de "o setor imobiliário" ou "a especulação imobiliária", é de fato um reducionismo: primeiro porque, como qualquer grupo social, o grupo de investidores e empreendedores imobiliários provavelmente apresenta um perfil  heterogêneo, tanto quanto seriam grupos como "os sem-terra", ou "a classe média". Se criticamos generalizações redutoras, essa crítica também deve incluir também grupos como o setor imobiliário. Segundo, a generalização tende à reificação: trata-se do setor ou do processo como se fosse um indivíduo, com interesses, disposições e atitudes unificados e coesos.
É possível reconhecer, portanto, que no setor imobiliário - como em tantos outros - há pessoas e empresas bem e mal intencionadas, que adotam práticas condenáveis ou louváveis. Porém, neste caso, há questões de fundo que precisam ser consideradas. A primeira é que, no regime de propriedade que temos no país e na cidade, baseado no "lote", não há nenhum instrumento legal consolidado que permita aos moradores do entorno de um empreendimento interferir ou influir nas decisões de projeto e de construção de modo a harmonizá-lo ao entorno. E com o processo de incorporação e remembramento de lotes, tampouco existe qualquer impedimento legal a que um empreendimento se desvincule inteiramente de características anteriores, como gabarito, padrão construtivo, relação com a rua ou outro. Como resultado, uma completa descaracterização de um determinado ambiente urbano pode ser promovida inteiramente dentro da lei. Portanto, as regras claras existem, mas não são suficientes para garantir a conservação de paisagens e referenciais urbanos que possam ser considerados relevantes para a memória e história coletivas.
A segunda questão é que, em certos casos, a lei é contínua e notoriamente burlada, desafiada ou desrespeitada. Seja em termos de zoneamento (construções que ultrapassam os limites estabelecidos pelos parâmetros de ocupação do solo), seja em relação ao gabarito (em caso de limitação devido aos "cones de aproximação" de aeroportos, por exemplo) ou à envoltória de imóveis tombados, assume-se a premissa de que o Poder Público é incapaz de fiscalizar todas as etapas da implantação de um empreendimento, ou que, consumado o fato, não haverá meios de revertê-lo (quem assinaria o "Demula-se"?). Sem falar de casos de conluio entre empreendedores e gestores públicos, como o infame Aref.
Pode até não ser a regra no setor, mas o problema de haver práticas como essas é que elas, numa economia amoral como a nossa, pressiona todos os demais agentes. A irregularidade "premiada" garante maiores ganhos, maior concentração de recursos e poder de barganha, mina resistências e faz parecerem mais caras as práticas corretas. A vantagem da trapaça não punida é difícil de superar.
Então, se há aqueles, no setor imobiliário, interessados em buscar soluções que conciliem desenvolvimento econômico e lucros com o ganho ambiental ou conservação de paisagens urbanas significativas, deveria partir destes o enfrentamento e o combate das irregularidades e das vantagens indevidas. Sindicatos e associações de classe do setor deveriam ser os primeiros a denunciar os pares que incorrem em abusos e práticas condenáveis. Deveriam denunciar, repudiar publicamente e até punir, dentro de suas competências, os empreendedores ou investidores que lançassem mão dessas vantagens indevidas. Denunciar os "corruptos" (geralmente identificados apenas entre os servidores públicos) sem desmascarar igualmente os "corruptores" é inócuo e enganador, e somente a garantia de um ambiente de pleno respeito às regras pode garantir a concorrência leal. Do outro lado, a disposição para negociar com a coletividade (a vizinhança e os órgãos de proteção ao patrimônio cultural ou ao meio ambiente) e buscar soluções conciliatórias (que, em muitos casos, pode sim implicar na moderação de ganhos) deveria ser assumida e promovida com maior empenho.
Até o momento, não tenho notícia de haver qualquer manifestação em qualquer dessas direções. Enquanto assim for, não há razão para que a sociedade conceda o voto de confiança reivindicado pelo representante do setor na audiência pública. O "mito", por enquanto, é o que está mais próximo da realidade.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Questões para a PPP da “Casa Paulista” para o centro de São Paulo

Neste fim de semana foi divulgada uma Carta Aberta, assinada por diversas entidades ligadas à questão da moradia em São Paulo, questionando o formato e os princípios atuais da proposta da PPP "Casa Paulista" para o centro da cidade. Essa PPP pretende viabilizar as prometidas 20 mil unidades habitacionais na região com as quais o governo do estado e a prefeitura se comprometeram.
O que apareceu, à primeira vista, como uma iniciativa louvável de soma de esforços entre as esferas administrativas, coisa rara na gestão pública deste país (veja aqui o comentário de Raquel Rolnik sobre o assunto), imediatamente começou a revelar traços de uma forma de planejamento que tem como ponto de partida e finalidade última os interesses imobiliários e construtoras/empreiteiras e afins. A habitação popular, tomada como a justificativa e pretexto para a PPP (sobre o formato PPP, outro comentário interessante de Rolnik aqui), parece ficar num segundo plano bastante subalterno, daí a justificada preocupação dos movimentos sociais e  das organizações que subscrevem o documento.
Vale a pena ler!


CARTA ABERTA

Questões para a PPP da “Casa Paulista” para o centro de São Paulo 
As entidades abaixo assinadas vêm manifestar sua preocupação diante do lançamento da proposta de Parceria Público Privada formulada por empresas privadas para a Agência “Casa Paulista” do governo do Estado, que recentemente contou com a adesão da Prefeitura, para a produção de 20.000 unidades habitacionais na área central do Município de São Paulo.
A proposta parece contemplar reivindicações históricas dos setores que atuam em defesa do direito à moradia no país, incluindo a provisão de habitação popular no centro, o estímulo a uma ocupação com mistura social e a combinação de subsídios e cooperação entre União, estados e municípios. Mas tais conquistas podem não se tornar realidade, caso não sejam equacionadas algumas questões essenciais. 
Tal como se apresenta até o momento, a proposta não foi formulada no âmbito de um plano habitacional abrangente para a cidade e não contou com a participação de diversos segmentos da sociedade civil interessados no tema. Há um descolamento em relação à situação de moradia na região, marcada por cortiços e ocupações, alto índice de idosos, moradores em situação de rua e trabalhadores informais, além da existência de um parque edificado ocioso que não cumpre sua função social.
Além disso, o modelo adotado reduz a intervenção habitacional à construção e oferta de novas unidades e subsídio à aquisição, negligenciando questões centrais como a política fundiária e outras formas de promoção do direito à moradia, como a locação social e a reabilitação de prédios subutilizados.
Considerando tratar-se de um projeto de intervenção urbana e não de uma política habitacional abrangente – que deve ainda ser formulada e debatida com a sociedade –ainda assim são nossos principais objetos de preocupação os seguintes pontos:
  1. Ação habitacional sem política habitacional: entendemos que embasar a política habitacional para a área central em uma ação, modelada ou não como uma PPP, é uma maneira equivocada de tratar um tema tão complexo, podendo acirrar os conflitos pela disputa fundiária diante do cenário de especulação imobiliária que testemunhamos em São Paulo. Uma política efetiva deve vir precedida de um diagnóstico mais preciso do déficit e da inadequação habitacional, da cidade e dos seus diferentes territórios, e da especificidade da área central. Deve ainda vir acompanhada de uma política fundiária que lhe dê suporte.
  2. Indefinição das áreas de intervenção e fragmentação das ZEIS 3: a proposta delimita seis perímetros, mas não especifica quais os limites de um eventual decreto que os torne sujeitos à desapropriação nem se eles serão integralmente submetidos aos planos de urbanização das ZEIS. Por outro lado, ignora a delimitação das ZEIS 3 ao não abordá-las de forma integrada, valendo-se, entretanto, de alguns de seus lotes.
  3. A PPP ignora os Conselhos Gestores das ZEIS 3: conforme exigência estabelecida no capítulo da Gestão Democrática e Controle Social constante do PDE de 2002, em cada perímetro de ZEIS deve ser formado um Conselho Gestor, eleito por representantes da sociedade, que acompanha e elabora um plano de urbanização do local. O prazo apresentado para a implantação da PPP claramente ignora o tempo necessário à eleição e atuação dos Conselhos.
  4. Indefinição sobre a execução da desapropriação: não está clara a extensão das atribuições do parceiro privado, no tocante à desapropriação dos imóveis afetados. É preciso esclarecer a quem cabe conduzir as negociações: se ao agente privado caberá solicitar ao Poder Público as desapropriações, ou se contará com a prerrogativa de promovê-las diretamente (tal como na lei da Concessão Urbanística aplicada ao projeto Nova Luz, cuja legalidade foi amplamente questionada). Neste segundo caso, cabe esclarecer se o agente privado poderá fazer desapropriações para implantar outros usos, que não o habitacional.
  5. Ausência de definição do perfil dos beneficiados: a proposta, veiculada como alternativa para quem mora na periferia e trabalha no centro, está descolada das características dos atuais moradores do território em condições de inadequação habitacional: em grande medida, locatários de baixíssima renda que não se enquadram no perfil socioeconômico exigido pelas linhas de financiamento existentes, mesmo contando com amplo subsídio. A prioridade dada a trabalhadores do centro, sem detalhar tal categoria e definir critérios de verificação, mostra-se ptemerosa, uma vez que a maioria dos trabalhadores do centro é informal. No caso da ZEIS 3 C 016 - Sé (inserida no perímetro do Projeto Nova Luz), 85% da população possui renda inferior a 3 s.m., 72% habitam imóveis alugados e cerca de 85% são trabalhadores informais.
  6. Risco de gentrificação: a PPP está formulada a partir da oferta de moradia e não da demanda real por habitação existente no território. Portanto, ameaça a permanência da atual população residente, que pode ser expulsa pela substituição do tecido existente e pela falta de alternativas adequadas ao seu perfil. Além disso, a proposta não traz preocupações em relação à permanência dos novos moradores de baixa renda na região central após a aquisição das unidades.
  7. Falta de critérios para definição e controle da qualidade da habitação social: a proposta não apresenta os parâmetros mínimos de qualidade dos tipos habitacionais, nem sequer menciona a necessidade de sua definição a partir de um amplo processo de discussão e construção com os atores sociais envolvidos. O empreendedor deve atender a parâmetros mínimos para que as necessidades habitacionais sejam atendidas adequadamente.
  8. Impacto nas atuais atividades produtivas locais: a proposta é omissa quanto ao impacto nas atividades econômicas existentes nas quadras afetadas (comércio e serviços, de pequenos empresários) durante todas as etapas de sua implantação. A falta de definições claras sobre o seu destino, assim como sobre as fases, frentes e prazos da obra também impacta negativamente os atuais ocupantes do território, incluindo comerciantes, prestadores de serviços, trabalhadores e usuários.
  9. Indefinição quanto ao atendimento habitacional provisório: a proposta também é omissa quanto ao impacto das intervenções na vida da atual população moradora, não definindo o atendimento que será oferecido nas eventuais remoções para a execução das obras, mesmo que provisório.
  10. Indefinição quanto ao cronograma de atendimento das diferentes faixas de renda: A falta de definição dos perfis sociais prioritários de atendimento pode dificultar o acesso da população de mais baixa renda à produção habitacional, tendo em vista o progressivo encarecimento do preço da terra como consequência da intervenção urbana.
  11. Exclusão de segmentos vulneráveis no cadastro realizado pela concessionária: A proposta delega ao concessionário o cadastro e seleção dos beneficiários, o que significa adoção de critérios de mercado, e não de prioridade social. O único ente legítimo para execução dos cadastros é o poder público.
Assinam esta Carta Aberta:
Associação dos Moradores e Amigos da Sta Ifigênia e Luz - AMOALUZ
Central de Movimentos Populares – CMP
Conselho Gestor ZEIS 3 C 016 –Sé – Representantes da Moradia
Defensoria Pública do Estado de São Paulo- Núcleo de Habitação e Urbanismo
Frente de Luta por Moradia – FLM
Grupo de Articulação para Moradia do idoso da Capital - GARMIC
Habitat Projeto e Implantação para o Desenvolvimento do Ambiente Habitado e Urbano- Brasil Habitat
Instituto Polis
Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade - LabCidadeFAU-USP
Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos - LabHab FAU-USP
Movimento Apropriação da Luz
Movimento de Moradia Para Todos – MMPT
Movimento de Moradia da Região Centro – MMRC
Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da USP - SAJU
União dos Movimentos de Moradia – UMM
Centro Gaspar Garcia.